segunda-feira, 23 de março de 2015

Entrevista com o casal de bruxos Arien Avani Samir e Elros Eru Galadh Nostalë

Elros (21 anos) começou a se interessar pela bruxaria aos 12 anos, após ler os livros de Harry Poter, Arien (20 anos), de família protestante, teve sua primeira experiência com a magia na quinta série, atavés do contato com uma colega de escola. Ele manteve esse interesse até a juventude, aprofundando cada vez mais nas leituras e elaborando uma prática solitária. Ela, por conta da família ligada a Assembléia de Deus, só passou a se envolver com a Wicca após o começo do namoro, há três anos atrás. Juntos, Arien e Elros frequentam a Abrawicca desde 2013, período em que também aperfeiçoaram sua prática solitária. Atualmente ambos pertencem ao Círculo Externo da Tradição Diânica do Brasil, onde planejam pedir dedicação.
Entrevistei Elros em uma tarde chuvosa na Universidade do Estado do Pará, onde ele é calouro do curso de Ciências da Religião. A conversa entusiasmada girou em torno do sagrado feminino, política, ecologia, família e relacionamento. Elros contou de como a sua ligação com a Wicca transformou sua maneira de perceber a sua relação com as mulheres, com a terra e com o planeta. Elros acredita que a Wicca promove mudanças sociais através da internalização de comportamentos e práticas cotidianas.

Dias depois, encontrei o casal no Shopping Pátio Belém, para a realização da entrevista com Arien. Como Elros, ela gosta de falar sobre a Wicca. Enquanto saboreava um sushi na praça de alimentação, Arien falou sobre suas origens protestantes, os conflitos que enfrentou para conhecer a Wicca e de como a religião funcionou na sua vida como uma prática libertadora.
A entrevista com o casal trouxe para o projeto a visão de uma geração jovem que se aproxima da Wicca a partir de produtos da cultura de massa. A partir desta porta de entrada, os jovens conseguem ter acesso uma verdadeira prática da religião, que influencia profunamente seus valores e comportamentos.

sábado, 14 de março de 2015

Entrevista com a sacerdotisa Danna Myr, da Tradição Diânica do Brasil

Hoje concedeu entrevista para o Projeto Espiritualidades Feministas, Sagrado Feminino e Movimentos Sociais no Mundo Contemporâneo, a sacerdotisa da Tradição Diânica do Brasil, Danna Myr.
Um chuva torrencial caia em Belém no fim de tarde  quando chegamos a sua casa em Icoaracy.
Em meio a cristais, livros, filtros dos sonhos e imagens da Deusa, Danna nos ofereceu um bolo azul, o que contribuiu ainda mais para termos a certeza que estávamos diante de um abiente cheio de magia.

                                                  Danna Myr, com sua túnica saceredotal


Enquanto ouvíamos o barulho da chuva e contemplávamos o "jardim secreto" de Danna, a sacerdotisa gentilmente respondeu nossos questionamentos a respeito de sua compreensão do sagrado feminino e de seu engajamento político e social.
Danna contou que antes de conhecer a Wicca, participou de movimentos de mulheres ligados à Igreja Católica e à Igreja Luterana. Danna pertence à Wicca desde 2006, tendo se iniciado na Tradição Diânica do Brasil em fevereiro de 2015.
Juntamente com o sacerdócio wiccaniano, Danna milita no movimento de mulheres MAS - Mulheres Amazônicas Socialistas - e no Comitê Inter-religioso do Pará. Outro aspecto importante de sua militância feminista é o Círculo de Mulheres, que existe desde 2009.
Na entrevista discutimos religião, política e espiritualidade a partir de uma cosmovisão wiccaniana. Falamos também da compreensão do sagrado feminino dentro da religião Wicca, e das concepções wiccanianas a respeito da diferença entre homens e mulheres, do casamento e da sexualidade.
Com esta primeira entrevista, começamos o levantamento de dados do Projeto Espiritualidades Feministas, que esperamos concluir até o final de 2015.


segunda-feira, 9 de março de 2015

O sagrado feminino

Por dois mil anos o Ocidente viveu sob o advento do cristianismo uma espiritualidade patriarcal, onde a face de Deus era percebida como masculina. Um dos ícones emblemáticos de uma imagem de Deus masculino no imaginário cristão é o afresco pintado por Michelângelo na Capela Sistina, intitulado “A criação de Adão”.  Nele, Deus é representado como um ancião grisalho, que cria o ser humano, representado também por um indivíduo do sexo masculino.
Além do Cristianismo, outras religiões do livro como o Judaísmo e o Islamismo são fortemente patriarcais. Por serem as religiões dominantes em uma parte considerável da superfície da Terra, essas espiritualidades e suas formas de ver o mundo eclipsaram outras cosmologias cujo foco no sagrado feminino está mais presente.
 Desde o final do século XIX tem acontecido o resgate do elemento feminino na espiritualidade Ocidental, suscitado por diversos movimentos religiosos espiritualistas, que a partir da década de 1960 ficaram conhecidos como Nova Era. Entre estes movimentos um dos mais destacados é o neopaganismo.
O neopaganismo surge em diferentes países da Europa durante o século XIX com a proposta de resgate de uma religião de culto à Natureza, que teria existido na Europa antes do cristianismo (Duarte, 2008). Impressionados por obras como a da arqueóloga Margareth Murray e do Antropólogo James Frazer, pensadores místicos e esotéricos começaram a esboçar uma religião da Deusa, batizada por Gerald Gardner na década de 1950 de Wicca. Nos anos de 1960 essa espiritualidade neopagã se encontrou com o movimento jovem da Contracultura, na Califórnia, onde surgiu a Wicca Diânica, ou feminista.
A Wicca Diânica propõe uma espiritualidade mesclada com ativismo político, pois pretende resgatar a conexão da mulher com a terra e com os ciclos da natureza, percebidos como ameaçados pela cultura ocidental. Uma corrente da Wicca Diânica, denominada Reclaiming liderada por Starhawk enfatiza particularmente a relação entre Wicca, feminismo e ecologia:
“Foi nos anos de 1970 que o congresso de mulheres feministas se reuniu e escolheu a sigla que lançará o feminismo mágico em um novo ciclo: WITCH. Para as mulheres que começaram a usar a palavra witch como designação e arquétipo de sua atitude política, ela oferecia-lhes um modelo de mulher independente, revoltada e sábia, adicionado ao carisma de martírio da época inquisitorial, irmanando-a com essa linhagem mítica de mulheres que Jules Michelet inventara como sendo curandeiras, feiticeiras e herdeiras da velha sabedoria pagã” (Lascarix, 2010). 

Paralelamente à ênfase dada no elemento feminino nas novas religiões surgidas a partir do final do século XIX, movimentos de reforma da Igreja como a Teologia da Libertação deram ensejo ao surgimento de uma Teologia Feminista, cuja proposta era resgatar o papel da mulher na constituição da Igreja Católica, a partir de uma releitura da Bíblia.
No Brasil, além de ser forte a tradição de culto às santas e nossas senhoras no catolicismo popular, de matriz ibérica, a espiritualidade africana também possui um culto ao sagrado feminino. No Candomblé africano haviam sociedades secretas femininas, as sociedades Gelèdés, onde o culto às ancestrais, as Yá Mí Oxorongás, se dava cercado de mistério.
   Hoje a espiritualidade de matriz africana é praticada no Brasil em terreiros de religiões como Candomblé, o Tambor de Mina e a Umbanda. Os terreiros são frequentados por ambos os sexos, porém em algumas vertentes mais tradicionais apenas a mulher pode entrar em transe com divindade e liderar a casa de culto (Landes, 2002; Ferretti, 2009).
As divindades femininas são muito destacadas no panteão, sendo também muitas vezes sincretizadas com santas católicas, como ocorre com a orixá Yemanjá, sincretizada com Nossa Senhora da Conceição ou com Nossa Senhora das Candeias, dependendo da região do Brasil.
Na atualidade, diversas religiosidades cujo foco é o resgate do sagrado feminino possuem forte afinidade com discursos políticos feministas e ecológicos. Desde as praticantes da Wicca diânica na Califórnia que elegeram o resgate da figura da bruxa como símbolo emblemático da emancipação da mulher (Salomonsen, 2002), antes sob o julgo do patriarcado, até as mães de santo, sacerdotisas do Candomblé africano praticado em Salvador, Brasil (Landes, 2002), existem muitas religiões onde a mulher é a figura principal.

Referências
FERRETI, Sérgio. Querebentã de Zomadonu. Etnografia da Casa das Minas do Maranhão. 3ª. Ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2009.
LANDES, Ruth. A Cidade das Mulheres. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2002.
LASCARIZ, Gilberto de. Ritos e Mistérios Secretos do Wicca. Um estudo esotérico do Wicca tradicional. São Paulo: Madras, 2010.
SALOMONSEN, Jone. Enchanted Feminism. The reclaim witches from San Francisco. London and New York: Routledge, 2002